quarta-feira, 14 de abril de 2010

RECORDAÇÕES

Um amigo me disse que "para todas as perguntas há respostas. Nós apenas não conseguimos entendê-las."

Meu nome é Evelyn Monstar e tenho 17 anos. Eu moro com meus pais na Baía das Orquídeas, uma cidade costeira ao leste do país. Minha família mudou-se para essa cidade depois que meu irmão, Brian, entrou para a faculdade, que fica na cidade vizinha, ele tem 22 anos e esta cursando engenharia. Brian é o orgulho da família. Na minha opinião ele esta na carreira errada, ele daria certo como detetive, pois vive se metendo na minha vida, esta sempre descobrindo o que eu faço, e depois, conta para os nossos pais, ou então, me obriga a arrumar as suas coisas, para que ele não conte o que descobriu.
Hoje é mais um dia normal de escola, logo minha mãe vem me chamar. Como na maioria dos dias quentes, vou a pé para a escola. Tenho que caminhar uns vinte minutos, mas, nessa época do ano, é muito agradável sentir os raios do sol aquecer a pele.
Enquanto caminho, observo que as folhas das árvores estão ganhando um tom amarelo-amarronzado, logo o outono chegará e essas folhas recobriram o solo húmido, coberto pela grama verde.
Há quem não goste dessa época, pois ela antecede a estação mais fria e sem vida do ano. Mas toda essa melancolia desperta em mim uma estranha atração, pois é nela que o ar fica repleto de mistério.
Sempre comparei as estações do ano com as fazes da vida humana: A primavera, com seus perfumes e toda a sua alegria, é como a infância, cheia de descobertas. Então vem o verão e com ele uma explosão de energia, é a adolescência. Depois vem o outono e a natureza passa por uma transformação, é a vida adulta com toda a sua seriedade. Logo chega o inverno, o frio, a tristeza a escuridão, é a velhice quando avaliamos o que fizemos, é também o fim da jornada. Então o ciclo recomeça.
Faltam três dias para o fim de semana. Por um momento eu pensei que não conseguiria voltar à escola. As aulas recomeçaram a uma semana, mas só hoje tive coragem para vir.
Ontem vi a Senhora Fontes, é estranho pois hoje fez dois meses que tudo aconteceu. Foi desagradável voltar a escola, ver aquela classe ao meu lado vazia pela primeira vez em quatro anos, quatro anos de amizade.
Depois do jantar, enquanto estava sentada na escada, pude ouvir meu pai falar que os Fontes puseram a casa, verde do final da rua, à venda. Subi os últimos degraus correndo e me tranquei no quarto. Já tem quase dois meses que tomo remédios para conseguir dormir.
Minha mãe diz que "as feridas levam tempo para cicatrizarem, mas as marcas ficam para nos lembrar o que passou".
Sinto crescer dentro de mim, a cada dia, uma angustia que me corrói. Como queria ser capaz de fazer o tempo voltar, e consertar tudo o que está errado. Acho que jamais vou conseguir me perdoar pelo que houve, se eu tivesse feito algo para impedir tudo isso, se eu tivesse como saber o futuro...
Um novo dia nasce, rogo a minha mãe para não ir a escola, as horas que passo lá são uma tortura para meus nervos enfraquecidos.
Brian se ofereceu para me fazer companhia, já que o psiquiatra recomendou a meus pais para não me deixarem muito tempo sozinha. Passamos o dia assistindo filmes de comédia no DVD, Brian fez pipoca de micro ondas, pois sabe que eu gosto, mas não adiantou muito. Em dois meses emagreci quase oito quilos, e fiquei bem perto de conseguir uma anemia.
Brian tem sido um irmão legal, faz todas as minhas vontades, e tenta me distrair, até parou de encrencar com o Zéfi, meu gato de estimação.
O sábado amanheceu ensolarado, depois da chuva de quinta e sexta. Peguei minha bicicleta e fui dar uma volta no bairro. Realmente a casa dos Fontes esta com placa de venda, é melancólico ver como mudou a vida e a rotina da cidade. As pessoas ainda estão em estado de choque com os últimos acontecimentos, Nada mais é, ou será, como antes. Queria voltar àquele dia e arrumar as coisas.
Continuei meu passeio, algumas casas, mais próximas a dos Fontes, ainda tem pequenos pedaços de fita preta presos junto as janelas ou portas.
Eu odiei os Fontes por eles quererem abandonar a cidade. Era como se eles quisessem simplesmente fazer de conta que não havia nada de errado. Voltei para casa transtornada, eu não conseguia mais suportar tanta hipocrisia.
Minha mãe e meu pai tinham saído, eu estava sozinha, meu irmão estava na casa da Verônica, sua namorada que ele escondia há quase quatro meses dos nossos pais.
Fui até o quarto dos meus pais, arrombei a gaveta onde minha mãe guardava os remédios, peguei meus calmantes, não contei quantos tomei. Tudo que me lembro é de deixar o frasco vazio, e então tudo ficou escuro. Acordei três dias depois no hospital, eu havia tido uma parada respiratória, devido a grande ingestão de calmantes anti depressivos. Segundo o médico, era quase um milagre eu estar viva. Mais tarde descobri que Brian, movido por um impulso, voltara mais cedo para casa, graças a ele eu estava viva, pois se ele tivesse voltado alguns minutos mais tarde eu teria morrido.
Depois do que houve, pude finalmente perceber que eu era quem fazia de conta que nada havia acontecido. Eu estava evitando encarar a realidade. Erick estava certo, todas as perguntas tem respostas, somos nós que não as entendemos.
Depois que saí do hospital, pedi a meu irmão para que me levasse até onde Erick repousava seu sono sem volta. Foi terrível, e ao mesmo tempo foi como se me libertasse de uma culpa que me atormentava. Quando Erick se foi, eu não tive coragem de me despedir. Meu pai e meu irmão foram, minha mãe não me deixou sozinha.
Os Fontes mandaram colocar a estátua de um grande anjo de asas abertas, sobre a lápide. Um anjo de olhos fechados, com uma das mãos apontando para o céu.
Enquanto estive no hospital, a Senhora Fontes foi me visitar. Conversamos por alguns minutos. Acho que as feridas começam a cicatrizar, mas a dor ainda esta lá, e sempre vai estar. Não sinto mais ódio dos Fontes, eles tem o direito de seguir sua vida em outra cidade. A Senhora Fontes disse que nas férias eu posso ir visitá-los, como eu fazia quando Erick ainda estava entre nós.
Eu ainda moro na rua Menfil 4012. Não brigo mais tanto com meu irmão, e agora tenho uma nova amiga, Daphne, ela mora próximo da escola. Aquela classe ainda continua vazia, mas já não dói tanto olhar para ela. A cidade esta voltando ao que era, e mesmo que as pessoas esqueçam o que houve. Eu não vou esquecer.

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