domingo, 22 de janeiro de 2012

ESTRELA NEGRA - Capítulo II

AULAS E UM CAVALHEIRO MISTERIOSO

                Acordei meio desorientada, levei alguns segundos para lembrar tudo e desejei ainda estar dormindo. Olhei em volta, a cama da Miss simpatia estava arrumada. Mas há uma explicação para isso: no Estrela Negra os alunos não são tratados como se estivessem em um hotel cindo estrelas, cada um é responsável pela organização das suas próprias coisas. Por isso, mesmo os riquinhos e esnobes tem de arrumar suas próprias camas. O que para mim não é nenhuma novidade.
                Tessa não estava no quarto e lá fora havia bastante luminosidade. O que era estranho, por que o meu relógio não havia tocado... Meu relógio?!... Quando eu o havia posto para despertar?... Não havia!
                __Aaah! Já são 07h35min!
                Eu quase cai da cama quando me dei conta do horário. O café acabava em 5 min e eu não havia nem me trocado!

                Eu corria feito uma louca pelos corredores em direção ao refeitório, ainda tentando arrumar o maldito laço do uniforme, que era composto por uma saia xadrez de preto e azul, com três grandes pregas do lado esquerdo, uma camisa branca cujos punhos tinham o mesmo xadrez da saia e ao redor do pescoço deveria haver um grande laço daquele mesmo azul, já que o uniforme dos meninos – calça com o mesmo xadrez do feminino e camisa branca sem os punhos coloridos – possuía uma gravata azul.
                Eu alcancei o refeitório exatamente às 7h42min, meu recorde na corrida. Meio despenteada, as meias... Ah, ainda tinha as meias 4/8 – sim aquelas que vão até as coxas – brancas ou pretas, mas a cor ficava à escolha da estudante – no meu caso eram pretas. Naquela correria eu havia esquecido de arrumá-las, uma estava na altura do joelho e a outra próximo a canela. Quanto ao laço, bem eu já estava desistindo.

                __Desculpe, mas o café já acabou. – a senhora, de avental e toca na de rede no cabelo, me informou assim que entrei e meu estômago roncou ao ouvi-la.
                Ótimo, agora eu ficaria faminta até a hora do almoço...
                __Tudo bem, Rose. Esta é novata.
                Essa voz... Eu já tinha ouvido antes...
                Virei-me para encarar a pessoa que intercedia por mim.
                __Você está um verdadeiro desastre, ga-ro-ti-nha!
                Mesmo se eu não fosse capaz de reconhecer aquela voz, aquele sorriso irritante e aquele “garotinha”...

                __Heh! Você é o cavalheiro arrogante! – eu falava e apontava ao mesmo tempo.
                __É falta de educação apontar, sabia.
                Antes que eu abaixasse meu braço, ele estava tão perto de mim que eu quase podia sentir sua respiração. Suas mãos deslizavam sobre a fita azul.
                __Pronto, agora sim parece um laço. Garotinha desajeitada.
                “Desajeitada”?! “Garotinha”?!
                Dei um passo para trás.
                __Não pense que vou lhe agradecer! – exclamei realmente zangada.
                __Eu sei. Posso esquecer que vai me “agradecer outra vez na vida”.
                Ele... Decorou...
                O cretino abriu outro daqueles sorrisos sem vergonha. Desviei o olhar para o perfeito laço azul ao redor da gola da minha camisa. Talvez eu fosse um pouco desajeitada, mas ele não precisava esfregar isso no meu nariz.

                Sentei-me junto a uma das grandes mesas do refeitório. Meu estômago realmente estava vazio. Ele surgiu de dentro da cozinha com uma tigela de cereal de chocolate com leite e um prato com mamão cortado em fatias finas. Colocou ambos diante de mim.
                __Você não pretende ficar me assistindo comer, não é? – perguntei quando ele sentou de frente para mim.
                Ele lançou-me outro sorrisinho. Sim, ele pretendia. Cretino...
                __Você não jantou ontem, estou certo?
                Eu quase engasguei com o cereal.
                __O que estava fazendo?
                __Não é da sua conta.
                __Caso você tenha esquecido... – ele mostrava a braçadeira com o brasão do colégio.
                __Tomando banho. Algo contra?
                __Não vou limpar a sua barra novamente garotinha. Se continuar sendo irresponsável com os horários vou lhe dar advertências sem piedade. E você lembra o que lhe disse que aconteceria caso recebesse três advertências, não lembra?
                __Também lembro o que respondi!
                Mais uma vez vi aquele sorriso brincar em seus lábios.

                __Aliás, tem quatro minutos para ir para a sala de aula. Suponho você saiba qual é...
                Lancei lhe o meu melhor olhar “você acha que sou idiota?” Seu sorriso alargou-se um pouco mais enquanto ele levantava-se.
                __E, garotinha, compre um despertador se não quiser perder o café da manhã outra vez.
                __Eu já tenho um, cretino!
                Ele virou o rosto para mim e lançou-me um olhar maldoso. Aquilo só me deixou mais irritada. Desde que eu o conhecera ele já me chamara de mal educada, mal agradecida, esquentadinha, desastrada, desajeitada e irresponsável! Esse garoto tem o estranho poder de me deixar furiosa. Deve ser parte das atividades dos monitores atormentar os novatos. E o cavalheiro cretino deve ser o melhor nesta área!
                Quando me lembrei de que as aulas estavam prestes a começar, sai correndo do refeitório. Cheguei à sala 1-b, faltando um minuto para o sinal soar. Respirei fundo tentando recompor-me. Minha primeira aula era de literatura. Felizmente a professora não era tão assustadora quanto os alunos, a maioria novatos, alguns, dois ou três, pelo que percebi, repetentes. Afinal, ser rico e estudar em escola cara não significa tornar-se inteligente, para isso é preciso esforço e dedicação, o que a meu ver, faltava em muitos ali.

                O lugar designado para mim era próximo a uma janela, quase no fim da sala. As aulas sucederam-se uma após a outra sem grandes transtornos, exceto por muitas garotas me olharem com desprezo e outras apenas me ignorarem. Devo admitir, não sou nenhuma beleza rara. Não sou uma grande peituda – mesmo que siliconada – como Tessa – mas também não sou nenhuma tábua, meus cabelos castanhos, um palmo acima da cintura no comprimento, com muitas pontas duplas, não reluzem como os das outras garotas, ou pelo menos o da maioria delas. Meus olhos, bem, desses eu sinto um certo orgulho, tem um raro tom acinzentado, algo entre a prata e o grafite, mais puxado para o último. Minha mãe é que tem olhos assim, embora os dela sejam mais prata do que os meus. Devo isso ao meu pai, olhos negros como a noite. Não possuo muitas curvas como algumas colegas minhas, mas isso é por que sou uma magrela que pesa menos do que deveria, segundo minha avó. Enfim, não me destaco muito, também não ofereço muita ameaça quando se trata de garotos. Eles sempre me tratam como uma amiga ou mantém distância... Minha primeira paixão foi por meu melhor amigo, ele era gentil e agradável, mas me dispensou assim que arrumou uma namorada, pelo menos eu não havia me confessado para ele, a humilhação teria sido bem maior...

                Assim que o intervalo começou corri para a biblioteca. Queria encontrar alguns dos livros sugeridos pelos professores, se eu não era rica e graciosa, ao menos nos estudos precisava me destacar. Como era de se esperar da biblioteca de um dos melhores colégios do país, haviam mais títulos do que uma pessoa seria capaz de ler se vivesse três vezes e em todas elas alcançasse os 90 anos, talvez mais.
                Corri meus olhos pela sessão de história, depois filosofia e finalmente parei na de ciências. Tantos livros grandes e pesados... O livro que eu queria ficava na prateleira mais alta. Fui até a extremidade da estande, meu plano era puxar a escada até o lugar onde o livro se encontrava. Ao menos era o que eu pretendia, só que a escada trancou antes de chegar ao destino final. Mas estava perto o suficiente para que com um pouco de esforço eu alcançasse a prateleira. Subi até quase o penúltimo degrau, com a mão esquerda me segurava e com a direita tentava alcançar o livro. Estiquei-me mais um pouco, meus dedos estavam quase alcançando.
                __Só... Mais... Um... Pouco... Ah, alcancei!

                Antes que eu o agarrasse a escada andou, meu corpo se desequilibrou e despenquei. Houve um baque forte. Meu corpo estremeceu, mas eu não havia batido no chão, alguma coisa... Não, alguém amortecera a queda.
                __Garotinha, você pesa mais do que aparenta. Sua desastrada.
                Arregalei os olhos, estava caída sobre o peito do...
                __Cavalheiro arrogante! – exclamei mais alto do que gostaria.
                Mais rápido do que conseguia pensar, afastei-me sentando sobre as duas pernas.
                __Você continua me chamando desse jeito estranho... – ele resmungou sentando-se também – Você está bem? – ele escorou-se na estande me encarando.
                Acenei que sim com a cabeça. De repente um estralo a cima de nós, o livro que eu tentara pegar, realmente grande e pesado, caiu sobre a cabeça dele com um estrondo. Num piscar de olhos meu salvador estava desmaiado, nocauteado por Darwin.
                Avisei à bibliotecária – que apareceu por causa do barulhão, que pediu ajuda a um professor e levaram-no para a enfermaria. Cerca de quinze minutos depois ele acordava, enquanto eu segurava uma bolsa de gelo sobre o local do machucado.

                __Hoh, quando foi que a senhora Morgan tornou-se tão jovem?! – ele me encara com
um olhar debochado, embora eu pudesse ver uma leve expressão de dor por trás de seus olhos esmeralda.
                __Ela estava ocupada, e como foi minha culpa você se machucar fiquei aqui. Mas se já consegue fazer piadinhas, também pode cuidar de si mesmo! – resmungo soltando a bolsa de gelo sobre a cabeça dele.
                __Heh, talvez você não seja uma mal agradecida afinal. – ele segura a bolsa sobre a área um tanto esverdeada da batida – Mas continua sendo mal educada.
                Virei-lhe as costas sabendo que aquele sorriso irritante estava por vir.
                __Espero que da próxima vez a batida concerte os parafusos soltos da sua cabeça. – retruquei saindo e deixando-o sozinho.
                Esse garoto... Como consegue ser tão arrogante, tão irritante?!
                Enquanto eu me apresava em voltar para a sala, não tive como não perceber os olhares que me eram lançados. Curiosos, indiferentes e alguns que, estranhamente, ficavam sobre o muro.  Fiz que não eram comigo, mas estava ficando incomodada com aquela situação. Cheguei à sala junto com o professor. Ele me lançou um olhar reprovador, aprecei-me em sentar.

                __Sou o senhor Ruskin. Não gosto de brincadeiras e não admito conversas paralelas durante as minhas aulas. Para os novatos minha matéria é matemática, cálculo ou álgebra. Para os repetentes, estudem três vezes mais ou vou reprova-los novamente.
                O professor Ruskin era de baixa estatura, não era corpulento, cabelos ficando grisalhos, um pouco ralos, olhar desafiador, do tipo que parece ter olhos na nuca, pois sempre sabe o que está acontecendo na sala. Pelo tom de voz é dos inflexíveis, daqueles que reprovam um aluno por apenas um décimo. Mas há algo que gosto neste tipo de professor, eles não costumam ter favoritos dentro da sala de aula. Por que de favoritismo eu já estava cheia.
                A última aula da manhã, com o Sr. Ruskin, foi dentro do esperado: chata, maçante e silenciosa. O sinal para o almoço soou. Acabei me enrolando enquanto arrumava meus materiais, logo era a única dentro da sala, mesmo o professor já tinha saído. Superlotada de coisas, dirigi-me a porta, foi quando meu olhar bateu de frente com aquele sorrisinho...
                __Você deve gostar mesmo de estudar, garotinha. Ou será que devo te chamar de “papa livros”?
                Pelo menos não foi traça...

                __Ah, é você, Cavalheiro Cretino. Será que devo te acertar com outro livro? – falei olhando a área esverdeada da batida.
                E mais uma vez aquele olhar maldoso surgira em seu rosto perfeito. Sim, eu não sou cega, afinal, não tinha como não ver, e reconhecer, que ele era uma visão. O problema é que eu o estava vendo realmente, e literalmente, de mais.
                __Está me seguindo agora? – resmunguei irritada.
                __Vai perder o almoço, garotinha.
                __Quando vai parar de me chamar desse jeito irritante? – ignorei o aviso.
                __Do que está reclamando?!
                Ele se inclina na minha direção. Seu rosto não deveria estar a mais do que uns dez centímetros do meu. Seus grandes olhos esmeralda cravados nos meus. Senti que estava começando a corar. Eu nunca ficara tão próxima, ou fora tão intensamente encarrada por um garoto.
                __Você também não me chama pelo meu nome, ga-ro-ti-nha. – ele soletrara com um certo prazer na voz e então endireitou seu corpo novamente.
                Virei o rosto um pouco para o lado tentando fugir daquele par de esmeraldas. Em vão. Seu olhar parecia grudado em mim.

                __Vou continuar te chamando desse jeito até você me chamar pelo nome... – inclinou-se novamente ficando a um palmo do meu rosto – Garotinha.
                __Pode esquecer! – retruquei corando ainda mais.
                Esse cretino... Muito perto...
                __Como quiser. Só não perca o almoço. A sexta aula começa às 13h e 45min, não se atrase. – sorri outra vez – Até, garotinha.
                Tão rápido quanto ele aparecera, como um tornado que vem e bagunça tudo, ele se foi deixando-me aborrecida e frustrada comigo mesma.
                Por que raios eu corei daquele jeito? Ele com certeza percebeu minhas bochechas ficando vermelhas. Aquele cretino deve estar rindo agora. Eu pensava furiosa enquanto lavava as mãos no banheiro. Olhei-me no espelho, eu não sou do tipo que se deixa intimidar com facilidade, mas aquele arrogante consegue me pressionar e isso estava me deixando louca. O jeito como ele se projetara ficando a cerca de um palmo do meu rosto. Eu ainda podia sentir o seu perfume como se estivesse preso, impregnado em minhas roupas... Mas é claro, eu havia caído da escada sobre ele, foi assim que fiquei com o cheiro dele.
                __Ótimo! – resmunguei jogando água no rosto.

                Saí do banheiro e dirigi-me para o refeitório. Cheio, mesmo após 20min do sinal. Próximo ao refeitório havia algumas mesas de pedra com bancos de madeira estofados, como cadeiras. Coisa de riquinhos... Qual o problema em sentar em um banco normal? Por que precisava ser estofado?
         Respirei fundo e peguei meu almoço no bufê. Devo admitir, a comida no geral é muito boa. Há uma grande variedade de pratos, alguns que eu nunca nem experimentara. Mas eu não estava com muita fome, meu café da manhã fora... Generoso. Aquele arrogante! Tudo bem, fora graças a ele que eu não ficara com fome a manhã inteira. Mas eu não admitiria isso para ele nem sob tortura!
         Enquanto atravesso o refeitório em direção às mesas de pedra, tendo um vislumbre... O cavalheiro arrogante estava escorado junto a uma das grandes janelas do refeitório, seria algo normal, pois tratava-se do monitor do colégio, não fosse pelo incrível número de estudantes na sua volta. Não apenas garotas, sorridentes, atiradas, metidas e bonitas, mas também garotos, muitos garotos. E a julgar pela disposição das mesas e postura, aquele era o grupo dos mais-mais do Estrela Negra. Todos rindo. Exceto... Ele. Talvez fosse parte da sua postura como monitor só rir debochadamente dos novatos – como eu.

         Afastei-me rapidamente, odiava aquele ambiente. Tudo ali parecia apontar para mim e dizer: “Você não pertence a este mundo...”
         __Ei, você, mexa-se! Está atrapalhando.
         Ora, que surpresa. Tessa, a miss simpatia, cercada por outras três garotas, uma loira autêntica, uma negra com cabelos lisos como os meus, resultado de horas de salão de beleza, e uma morena de olhos castanhos como os cílios mais longos que eu já vi. Tessa vinha na frente.
         Por um minuto pensei no que deveria responder-lhe. Era óbvio que ela poderia simplesmente desviar e continuar andando. Mas é claro que a Miss não mudaria a sua trajetória, os outros é que deveriam mover-se. Abri a boca para responder-lhe a altura.
         __Algum problema, senhorita Hollins?
         Virei-me bruscamente e teria derrubado a bandeja com meu almoço, se o cavalheiro não a tivesse tirado das minhas mãos.
         __Não, problema algum, Adrian. – eu juro que tive dificuldades para acreditar que aquela era a mesma Miss simpatia que estava falando comigo segundos antes. Comparando-as eram a “gêmea má e a gêmea boa”.
         __É monitor, e não “Adrian”.

         Certo, aquele parado ao meu lado esquerdo não se parecia com o cavalheiro arrogante, e que eu já acreditava ser um sádico por estar sempre me irritando e visivelmente se divertindo com isso. Bem, aquele olhar maldoso ainda estava lá, mas não o sorriso.
         __É claro, mo-ni-tor. – ela enrolava o dedo na gravata dele enquanto falava, os olhos fixos nele – Vamos, garotas. – ela lançou-me um olhar venenoso – Tchauzinho, monitor.
         Eu não acredito nessa garota... E o que foi a cena patética que acabara de acontecer...
         __Duas caras! – resmunguei ainda tendo-a em meu campo de visão.
         __Eu não posso tirar os meus olhos de você por dois segundos que você já está metida em alguma confusão... Ei, estou falando com você! – ele balançava a mão diante do meu rosto enquanto falava.
         __Estou ouvindo! Então você admite que está me perseguindo! – retruquei agarrando aminha bandeja de volta.
         __Observar os estudantes é minha função. E não posso fazer nada se você é um ímã para problemas. – aquele maldito sorriso estava lá outra vez – Não se atrase para a última aula.

         __Ei! – chamei-o enquanto ele se afastava.
         __O que foi? Vai me agradecer?
         __Nem em sonho! – retruquei já me arrependendo por tê-lo chamado.
         __Então o que é?
         __A sala de música, eu não sei onde fica...
         Aquele sorriso se alargara um pouco mais.
         __Ah é, você toca violino.
         Não tive como evitar o espanto.
         __Como... Você...
         Ele sorriu ainda mais, estava realmente se divertindo as minhas custas. Percebi pela expressão dele que não obteria uma resposta.
         __No prédio dos clubes, depois da quadra poliesportiva, segundo andar no final do corredor, é a última sala.
         Eu estava prestes a agradecê-lo e ele deve ter percebido, pois aquele olhar maldoso brincava em seu rosto novamente.

         __Eu não vou te agradecer, e não pense que vou deixar passar o fato de-
         __Eu saber coisas sobre você?!
         Cretino...
         __Não acredito, está ficando interessada em mim, garotinha?! – eu tive vontade de jogar aquele livro pesado de ciências nele.
         __Nem nos seus melhores sonhos, cretino!
         Ele se afastou sorrindo. Aquele maldito sorrisinho!
         Comi meu almoço sozinha junto a uma das mesas de pedra, com bancos de madeira estofados. Que por sinal eram bastante... Confortáveis...

         Antes da sexta aula corri ao meu quarto para ter certeza de que Tessa não fizera nada com as minhas coisas. Ela parece ser do tipo que adora uma vingança. Mas nada estava fora de lugar e nem sinal dela. Talvez a Miss ameba, que a essa altura eu já sabia tinha 16 anos e estava na mesma turma, 2-A, que o cavalheiro, arrogante, sádico e cheio de segredos, Adrian. E sim, eu não esquecera o nome dele desta vez... Talvez por que Tessa estivesse ocupada demais pensando em quem ela iria namorar durante o próximo mês. E pela ceninha no refeitório a vítima já havia sido escolhida.
         Fui para a 6ª aula, geografia com o professor Wilde, cabelos – os poucos sobreviventes, grisalhos, baixo, gordo, com uma barba digna de Papai Noel, e era tudo, menos um bom velhinho. Falava muito baixo, com um sotaque estranho e um rompante de ‘eu sou o maior’, ou seja, um egocêntrico total. Mas sua aula era tão silenciosa quanto a do senhor Ruskin, em compensação em não entendia quase nada do que ele explicava, uma vez que o meu lugar era próximo ao fundo da sala. Não importava, nada tiraria o meu ânimo, pois em alguns minutos eu poderia tocar meu amado violino.

         Eu contava os segundos para a liberdade, que veio com uma pilha de lições para serem feitas até a próxima aula, que seria em dois dias. O que seria normal, não fosse esta a primeira aula do ano...
         O sinal finalmente soou, para minha alegria. A o contrário das outras vezes, fui uma das primeiras a sair da sala. Corri para a sala de música, que realmente ficava onde o cavalheiro dissera... Fazia quase três dias que eu não tocava o meu amado violino, uma vez que ele chegara ao Estrela Negra primeiro que eu, viera - contra a minha vontade, junto com a maior parte da minha bagagem. Eu estava ansiosa para segurá-lo em minhas mãos e, principalmente, ter certeza de que estava intacto, sem nenhum arranhão no verniz, sem cordas arrebentadas ou desafinado.

         Entrei na grande sala de música. Haviam vários instrumentos diferentes, alguns de sopro como flautas, alguns trompetes, uma tuba e um sax. No canto direito da sala próximo à porta, um grande piano de cauda, ao lado estavam os instrumentos de corda, uma harpa, dois violoncelos e os violinos. Aproximei-me, lá estava a razão de eu tolerar esse odioso colégio, meu violino. Peguei-o e suavemente toquei algumas notas. Sempre que retiro as notas das melodias que já memorizei, fecho meus olhos e sinto meu corpo leve, como se estivesse flutuando entre as nuvens.
         Quando voltei a abrir meus olhos, sentia-me revigorada, como se nada neste colégio ou no mundo pudesse me colocar para baixo, por que eu este instrumento é e sempre foi meu escudo.

         Por algum motivo, tinha a sensação de que alguém estivera me observando enquanto tocava. Olhei em volta, mas estava completamente sozinha. Ainda me questionava, quando vários estudantes começaram a entrar na sala, mas nenhum pertencia a minha turma. Um alívio e ao mesmo tempo outra irritação, pois logo os olhares começaram. No entanto, não eram exatamente olhares desaprovadores, esses, é claro, ainda estavam estampados nos rostos de alguns, porém a grande maioria parecia mais curiosa do que indiferente. O que não era necessariamente bom, mas também não orbita do lado mal. Era tolerável. E mesmo se aquela aura estável se tornasse turbulenta, eu tinha em mãos o meu escudo protetor.

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